quarta-feira, 9 de março de 2016

Brutti, sporchi e cattivi*

Opinião
Faleceram recentemente dois vultos da cultura. Italianos de nascimento, cidadãos do mundo pela arte produzida.
Refiro-me a Umberto Eco e a Ettore Scola. Ao primeiro referimo-nos brevemente na crónica "O Nome da Rosa e o Convento de Cristo" já que a grandeza e o mediatismo deste homem se encarregaram de lhe prestar a devida homenagem. Do segundo, talvez menos conhecido do grande público, a sua partida foi menos divulgada e o homem e a sua obra menos exaltadas. Para falar de Ettore Scola, cineasta inspirado que soube reinventar e evocar de forma superior a tradição neo-realista do cinema italiano, recordemos uma das suas obras primas, o clássico: "Brutti, sporchi e cattivi" ou "Feios, porcos e maus". Esta profunda sátira social foi apresentada ao público a 23 de setembro de 1976 e foi Prémio para a Melhor Realização no Festival de Cannes de 1976.
Neste filme de antologia, Ettore Scola conta a história da miserável e amoral família Giacinto que habita uma barraca num bairro de lata em Roma. O relato da sua vida quotidiana constitui uma surpreendente construção satírica, crítica social, política, análise sobre a natureza humana, a sua crueldade, sordidez, enfim, trata-se dum autêntico hino à miséria humana. O humor, a ironia, a mordacidade, a "sujidade" humana deixam-nos presos ao ecrã, do princípio ao fim da obra. É impossível ficarmos indiferentes dado o carácter denso, profundo e até mesmo perturbador deste filme.
As peripécias da promiscua família, cerca duma vintena de almas vivendo porcamente na sua apertada barraca, sobrevivendo à custa da pensão da sogra inválida de Giacinto, procurando todos desesperadamente apossar-se do milhão de liras que o chefe de família recebeu a título de indemnização pela perda dum olho, atinge o seu clímax quando este último traz para "casa" uma gorda prostituta que passa a partilhar o leito com a sua legítima mulher... Segue-se a tentativa da família, em complot, de assassinar Giacinto com veneno para ratos. Este sobrevive ao "raticídio" e vinga-se queimando a barraca e vendendo o terreno. Por fim, acabam todos, os novos e os velhos inquilinos, a habitar a mesma barraca...
Se Ettore Scola tivesse a oportunidade de vivenciar o dia a dia deste nosso "bairro de lata", os seus protagonistas, a sua natureza íntima, os hábitos, o aspeto, as traições, aquilo que os move, bem podia encontrar material para uma reedição do seu mais famoso filme: Brutti, sporchi e cattivi!
Recordemos o homem celebrando a sua obra!
                                                                             José da Silva
*Feios, porcos e maus

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