Cemitério de Asseiceira |
Opinião
Os cemitérios dos meios rurais, ditos paroquiais e que são administrados pelas juntas de freguesia, como hoje os conhecemos, são uma criação do século XIX, resultado de preocupações higienistas do Iluminismo, que em Portugal tiveram no médico e diplomata Ribeiro Sanches o principal arauto. A instauração de cemitérios civis como um serviço público foi decretada em 1835. Nas cidades são administrados pelas Câmaras Municipais.
As juntas de freguesia, mesmo no tempo em que não havia informática, e os seus eleitos ou nomeados, não eram muito letrados e, mesmo quando não havia sede da junta, sempre registaram, em livros de actas, o nome dos seus mortos que entravam nos cemitérios e identificavam as campas com chapas metálicas com um número. Lembro-me na minha freguesia (Alviobeira) e quando durante 20 anos foi membro eleito da Assembleia de freguesia de, nos livros de registo por ano, fazer quase a pesquisa histórica, dos que nos antecederam, do dia da morte, data de enterramento, seu nome, aldeia onde morava e o número da campa.
Com a venda de sepulturas perpétuas e o crescimento do espaço e a hipotética troca de chapas de números, houve necessidade de mandar fazer plantas à escala com arrumamentos, por letras e não haver necessidade de nº de campa com chapa pois por ordem crescente e por letra de fila sabe-se quem foi enterrado naquela “morada eterna”.
No caso de um familiar ausente se esquecer onde foi enterrado o seu familiar, fácil se torna indicar o local, se entretanto a campa, não for objecto de inumação, por decorrer tempo suficiente e, como manda a lei e se ter avisado pelos meios que a lei determina, os familiares, que detém direito sobre as ossadas.
Isso mesmo, através de editais fez recentemente a junta de Asseiceira e Junceira/Serra, com a publicação em duas edições seguidas no “Cidade de Tomar” de editais, onde refere a campa, mas refere que o morto ou quem foi sepultado é desconhecido.
Desconhecido?
E logo tantos desconhecidos?
Por desconhecido na morte, só conhecemos a campa do soldado desconhecido em tempo de guerra!
Será que estas juntas não registam nos livros oficiais quem é sepultado nos seus cemitérios, ou registando não sabem onde foram inumados?
Isto é mexer com sentimentos e ir contra o que a nossa lei refere: “Os direitos de personalidade gozam igualmente de protecção depois da morte do respectivo titular” – art. 185º do Código Penal, que tutela a memória de pessoa falecida.
Cemitério da Serra de Tomar |
Seria bom estes autarcas absterem-se de publicar estes editais e primeiro ler o que a Constituição da República, neste aspeto consagra:
- Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, o Governo decreta o seguinte:
Artigo 9.º
Assento, auto de declaração de óbito ou boletim de óbito
1 - Nenhum cadáver pode ser inumado, cremado, encerrado em caixão de zinco ou colocado em câmara frigorífica sem que tenha sido previamente lavrado o respectivo assento ou auto de declaração de óbito ou emitido boletim de óbito nos termos do n.º 2.
2 - Aos sábados, domingos e dias feriados, nas localidades onde não exista conservatória do registo civil ou exista apenas uma, a emissão do boletim de óbito é da competência da autoridade de polícia com jurisdição na freguesia em cuja área o óbito ocorreu ou, desconhecida aquela, onde o mesmo foi verificado.
3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, devem as conservatórias fornecer os impressos que forem necessários.
4 - Nos casos previstos no n.º 2, deve a autoridade de polícia remeter o duplicado ou cópia do boletim de óbito, no prazo de quarenta e oito horas, à conservatória do registo civil competente para lavrar o respectivo assento, acompanhado da indicação do nome e da residência do declarante do óbito.
5 - À emissão do boletim de óbito pela autoridade de polícia é aplicável o disposto nos artigos 194.º a 196.º do Código do Registo Civil.
6 - Nos casos previstos no n.º 2 deve ser dado cumprimento ao disposto no artigo 192.º do Código do Registo Civil.
7 - A entidade responsável pela administração do cemitério procede ao arquivamento do boletim de óbito.
E é sobre este nº 7 que me pronuncio!
Ao arquivar o boletim de óbito ou guia de enterramento, documento indispensável e obrigatório para terminar o funeral, será que estas juntas ou os autarcas que as serviram não registaram o número da campa e fila onde o ente- querido foi sepultado?
Dá a ideia, que não!
Se o tivessem feito, anos depois, quando há necessidade de inumações, podiam evitar a má imagem organizativa de vir a publicar editais, em que o sepultado é desconhecido, com morada desconhecida, ferindo em parte o artº 185º do Código Penal, que tutela a memória de pessoa falecida, pois na vida e na morte temos direito ao bom nome. Se a falha se deve a registos, numa época em que as juntas tem funcionários administrativos, só teremos que dar valor aos que nos anos 20 – 30 e seguintes do século passado, sem ganharam nada nas juntas, registavam pelo seu punho, nos livros que hoje são relíquias quem foi sepultado e o número da sua morada eterna
Registo que, das exumações, os regulamentos dos cemitérios têm que obrigatoriamente referir, que decorrido o prazo regulamentado, proceder-se-á à exumação.
Um mês antes de terminar o período legal de inumação, os serviços da Câmara Municipal ou Junta de Freguesia notificarão os interessados, se conhecidos, através de carta registada com aviso de recepção, promovendo também a publicação de avisos em dois dos jornais mais lidos da região e afixando editais, convidando os interessados a requerer no prazo de 30 dias a exumação ou conservação de ossadas, e, uma vez recebido o requerimento, a comparecer no cemitério no dia e hora que vier a ser fixado para esse fim.
Verificada a oportunidade de exumação, pelo decurso do prazo fixado sem que o ou os interessados alguma diligência tenham promovido no sentido da sua exumação, esta, se praticável, será levada a efeito por abandono das ossadas.
Mas se nem a Junta sabe quem lá está sepultado como o irá fazer?
António Freitas
Mais do que um "estranho caso", é um escândalo
ResponderEliminarSem palavras pois tenho lá dois problemas e não tenho a certeza da localização dos defuntos.
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