terça-feira, 22 de maio de 2018

Uma explicação técnica sobre o açude do Mouchão

A propósito da montagem do açude no rio Nabão que faz girar a roda do Mouchão, trabalho a que fizemos referência aqui, recebemos um texto de Vitor Silva, engenheiro municipal que esclarece, em termos técnicos, alguns aspetos do açude e da sua construção.



"Não sendo habitual leitor de blogues, confesso que não resisto por vezes em dar uma olhada nas notícias e comentários, alguns dos quais desprovidos de qualquer factualidade se limitam a meras especulações, assumindo por vezes, atrás do anonimato, esboços de insultos e ataques pessoais, que por certo em nada contribuem para uma informação correta e a uma crítica construtiva.
Não é certamente o caso da presente notícia acerca do açude da roda do Mouchão, já anteriormente abordada pelo meu amigo de longa data António Rebelo no seu blogue “Tomar a Dianteira” e a quem pessoalmente já tive ocasião de esclarecer:
Refere Nini Ferreira no seu livro “Coisas Simples da Terra Tomarense – O rio, os açudes e as rodas” que nos finais do séc. XIX existiriam mais de 100 rodas ao longo do rio nabão, associados a tantos outros açudes, construídos no início da primavera a fim de permitir a rega dos campos agrícolas.
Estes açudes, construídos de uma forma artesanal, à semelhança do método que ainda hoje o município tenta preservar, permitindo o funcionamento da roda do Mouchão, ex-libris da cidade,  para deleite dos tomarenses e de quem nos visita, eram tradicionalmente demolidos por altura da feira de Santa Iria, de modo a prevenir, como diz António Rebelo eventuais cheias na cidade provocadas pelo regolfo do açude ou pelo atravancamento de árvores ou outros obstáculos que dessem origem ao transbordo do caudal fora das suas margens.
Não deixando de ser pertinentes estas observações, importa contextualizar as mesmas no atual quadro de gestão do rio, que como é sabido, fora do perímetro urbano da cidade é da estrita responsabilidade da ARH Tejo (Administração da Região Hidrográfica do Tejo).
Dos citados mais de 100 açudes e rodas, e tal como já referido, apenas se mantém o da roda do Mouchão, cuja periocidade de construção e demolição o município, por razões meramente culturais tem vindo até 2016 a respeitar.
Em 2017, e após sermos confrontados com a dificuldade em constituir equipa de funcionários que se disponibilizassem para realizar esta tarefa que não fazendo parte das suas funções tem de ser assumida de uma forma voluntariosa, e considerando os riscos a ela associada e aos custos da sua construção (cerca de 10.000€), a que se juntam outros fatores como sejam a afetação de 5 funcionários durante um período de cerca de 1 mês, o despejo de mais de 100 ton de pó de pedra no rio, mais de 4 carradas de rama de pinheiro, etc, levaram-nos a propor a manutenção do açude proporcionando a quem nos visita uma imagem permanente da roda a girar e contribuindo para que também ela fique sujeita a menores degradações ( é a alternância entre ciclos de secagem e de imersão a principal causa de apodrecimento e deterioração da madeira)
Por outro lado, as questões que se colocavam nos séc. XIX e XX e que justificavam a demolição dos açudes em outubro não tem qualquer fundamento na atualidade, pois, além de ser apenas um açude, que com os equipamentos disponíveis no município pode ser removido numa hora (contrastando fortemente com 1 mês necessário à sua construção), está sujeito a uma permanente monitorização através da estação de medição de caudais no Agroal que permite prevenir com antecedência de 8 horas eventuais situações de cheias na cidade, suficiente, como se referiu para, se necessário, desmantelar o açude. Importa ainda referir as importantes obras efetuadas pelo município na reabilitação e mecanização das comportas do açude dos frades e da Levada que permitem a regulação de caudais e o rápido escoamento das águas a montante do açude dos frades. 
Tendo-se comportado satisfatoriamente durante o último inverno, o açude do Mouchão permitiu o funcionamento permanente da roda até ao mês de março, altura em que, resultado do forte caudal, o açude cedeu parcialmente sem contudo, colocar em risco, qualquer bem ou imóvel da cidade.
Infelizmente, e apesar de todos os esforços, não foi possível efetuar o trabalho de reparação do açude a tempo do congresso da sopa como é habitual, o que se ficou a dever ao forte caudal que o rio transportava nos meses de março, abril e princípios de maio, estando-se nesta data, com o profissionalismo e dedicação dos funcionários do município a efetuar a referida reparação, estimando-se estar a mesma concluída até final do mês de maio, ou seja, em metade do tempo habitualmente usado na sua construção."
                                                             Vitor Silva
                                          (Engenheiro na câmara de Tomar)


1 comentário:

  1. Muito oportuno este esclarecimento do amigo eng. Vítor Silva, que já antes tivera a bondade de me informar oralmente. Louvo portanto a sua atitude, bem diferente da de outros ligados à autarquia.
    Sobre os detalhes da construção do açude, é meu entendimento que, dispondo a câmara de maquinaria moderna, como o amigo Vítor refere, seria mais respeitador do ambiente proceder de modo diferente.
    Noutros tempos, trabalhadores com rodos, iam arrastando a areia e o cascalho do fundo do Nabão, a montante e até próximo do açude. Colocada a rama de pinheiro e os fenos diversos, selava-se então a obra com a areia e o cascalho. Poupavam-se assim as 100 toneladas de pó de pedra e o resultante assoreamento do leito do rio.
    Já não há mão de obra disponível para arrastar a areia e o cascalho do Nabão, a montante do açude do Mouchão. Mas um meio mecânico adequado, colocado no leito fluvial a partir do Açude dos Frades, permitiria fazer o trabalho. Com a enorme vantagem de dragar o fundo do Nabão, evitando assim a proliferação das habituais algas.
    A Câmara não dispõe de material adequado? A engenharia militar de Tancos empresta, bastando pagar o combustível. E tratando-se do bem comum, ninguém deve ter vergonha de pedir. Digo eu...

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