sexta-feira, 3 de junho de 2016

Faleceu o prof. Quadros Fernandes, pioneiro da informática nas escolas

Com 84 anos, faleceu no dia 27 de maio Manuel António de Quadros Fernandes, que foi professor na Escola Secundária Jácome Ratton em Tomar.
Apesar de já terem passado alguns dias não queremos deixar de registar este falecimento e lembrar quem foi o prof. Quadros Fernandes (N: 12/12/1931 F: 27/05/2016)
Visionário, conhecido pelo seu humor e sagacidade,  contador de histórias, workaolic, generoso, honesto e a lista de adjetivos que o tornam grande não acaba.
Estudou medicina em Goa de onde saiu aos 19 anos. Em Lisboa formou-se em matemática e trabalhou na general Motors. Em 1963 foi professor de matemática em Sá da Bandeira (Lubango), onde casou e nasceram duas das três filhas (Rosa Brigida e Shilá). Foi em 1968, em Luanda que iniciou a sua carreira informática como analista de sistemas no Banco Comercial de Angola. Entretanto, nasce a terceira filha (Maria Carma). Regressa a Portugal em 1975 e fixa residência em Tomar onde morava o seu compadre prof Queirós da Silva. Lecionou na Escola  Jácome Ratton,  matemática, e informática. Em 1979 inicia o Club de Calculadoras (berço de alguns informáticos que saíram de Tomar) e inicia o programa de informatização das escolas "AE" implementado em mais de 600 escolas portuguesas. Deixa um último programa que a família vai partilhar.
São muitos os alunos que o referem como marcante, não só na vida pessoal como profissional.
A toda a família apresentamos sentidas condolências.


O prof. António Duarte Henriques Lopes, seu colega de profissão na mesma escola, publicou no facebook um texto de homenagem (In Memoriam, professor Quadros Fernandes), que transcrevemos:
“Faleceu o professor Quadros Fernandes, figura eminente do professorado tomarense e marca insigne da escola onde por muitos anos leccionou, a Escola Secundária Jácome Ratton. Por sentir que lhe é devida uma homenagem, ouso repor aqui um texto que sobre ele publiquei num dos órgãos da imprensa local, quando ainda, ambos, estávamos no activo. 
Ei-lo:
«Incansável peregrino das suas muito pessoais miniaturas do mundo, o dr. Quadros Fernandes recose cada um dos seus intermitentes poisos com a inextricável rede das suas imprevisíveis, curtas, intempestivas deambulações. Contudo, quem acaba com a cabeça à roda somos nós. 
Nós é que o seguimos no sobressalto das suas variações sobre o mapa inconcluso de uma demanda, de que a causa é segredo seu, mas de que o efeito é proveito nosso. Nós é que nos extenuamos na perscruta de um cais onde venha terminar-se a circum-navegação do paradoxo em que anda sempre embarcado. E nós é que ficamos imobilizados no pasmo por um discurso que, nos próprios soluços do seu entardecimento, encontra a força para reamanhecer.
Onde quer que entre, o dr. Quadros Fernandes parece trazer sempre demais o seu próprio corpo, como se este fosse um mero atrelado da sua necessidade de aparecer ou, então, um cabide para pendurar os seus cigarros. 
Mas este corpo quase supérfluo, esticando-se no esforço de trepar e atropelar a sua própria compostura, transmuta-se, quando as condições o requerem, numa prodigiosa turbina de irradiação emotiva, de eloquência gestual e de turbulência expressiva. 
Nesses momentos, a cuja eclosão basta só a nossa concessão de uma escuta, a paisagem em torno do dr. Quadro Fernandes torna-se vertigem - queda sucessiva para dentro de si mesma, que só a cadência da sua voz, assoberbada pelo seu atraso em relação ao seu próprio empenhamento, parece capaz de aguentar. 
Quanto a mim, nem por nada me deixo enxotar desse espectáculo: o que aí se aprende, eu ainda não sei - sei só que se aprende. 
Vinda não sei de onde, a enxurrada de ideias que ele desfere, que ele empola, que ele lapida, cai sobre o nosso aturdimento como, sob os espasmos de luz de uma discoteca, parecem cair os corpos no frenesi da sua dança. E como numa dança, a sua palavra salta, rodopia, esconde-se, cansa-se, explode. 
Escutando-o, escutamos primeiro essa espécie de desfaçatez que sempre, com ele, serve para inculcar, na disposição das rotinas, a sensata suspeita sobre a inocuidade ou o conceito apoucado. 
Depois, mais atentos, começamos a perceber uma estratégia de argumentação que, movida por uma deliberada preferência pelo aforisma, procura esculpir um corpo de princípios, cuja estranheza eu ainda não consegui bem identificar. 
Parece-me essa estranheza, umas vezes, advir da paralaxe em que se coloca um apetite pensante avesso às facilidades do óbvio e, outras vezes, parece-me o efeito de uma postura ficticiamente predadora que, fascinada pela sua própria exuberância, encontra no território da entorse lúdica a sua única saída. 
O humor que, no dr. Quadros Fernandes, é uma marca sempre em transe de revelação, cresce primeiro nessa espécie de desmesura com que ele, pisando sobre a infimidade avulsa das circunstâncias, logo ressalta para torneios de quase quixotesca especulação. Como se qualquer motivo mínimo contivesse sempre a concitação máxima da urgência de um serviço - o serviço de sentinela ao poder da fala, sempre à espreita da sua oportunidade.
Mas o humor, no dr. Quadros Fernandes, encontra a sua mais apurada variante no modo como, a partir de uma aguda percepção das conexões que constituem como grupo uma massa de interlocutores, consegue, recorrendo à desfiguração caricatural, recolocá-las num plano onde a sua liberdade de jogo e os jogos da sua liberdade ganham a sua maior ênfase. O desfrute é o seu tributo magnânimo à amizade.
Só que, em todos os casos, ele não pode dissimular a sua instante obsessão: a seriedade de uma perscruta sobre o essencial do que, mantendo-se ainda como humano, vai perdendo a sua altura na rotina congelada da experiência.
Por isso, a sua perspectiva é a do voo da águia: a visão da minúcia do alto da compreensão sempre mais larga da paisagem. E é essa visão aberta ao imprevisto, captado no pico do seu voo, que permite à sua seriedade a transbordância do humor. Felizmente, ele prefere voar em formação.»
(Um último recado, dr. Quadros Fernandes!)
Sempre lhe ouvi declarar: «Entre mim e Deus há uma relação de mútuo respeito e recíproca admiração!» Se agora vier a descobrir que lhe pedem explicações sobre tão elevada pretensão - conte com o meu testemunho abonatório.”

9 comentários:

  1. era uma Pessoa afavel e simpatica, Pena que nao hajam mais assim.
    Que tenha partido em paz

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  2. Morreu um dos bons! Tive o prazer de conviver com o Dr. Quadro Fernandes, num clube de Xadrêz criado na Filarmónica Gualdim Pais. Era uma mente brilhante num ser humano com uma simplicidade impressionante. Sentidas condolências à família enlutada. Carlos Ventura Marques

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  3. Foi meu prof de Matemática na Jácome Ratton! Uma pessoa surpreendentemente persicaz,inteligente, bem disposto e de um humor refinado.

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  4. Deus, por certo há-de perguntar o que quiseste dizer com essa do respeito e admiração recíprocos. Mas por certo que já levavas uma explicação lógica. E sem ti, só me resta um primo direito. Resquiecat in Pace.
    Ernesto Fernandes.

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  5. Grande amigo. RIP
    Mário Paiva

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  6. Muito obrigada por este post :)

    Além de meu pai ele foi também a pessoa mais inteligente que alguma vez conheci! Com elevado sentido de humor, era sempre muito bem disposto, mas acutilante nas suas críticas.

    Os seus passatempos preferidos eram a matemática, a física, a informática e a história universal. Declamava (de cor) as primeiras estrofes dos Lusiadas em latim e conhecia o "Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica" de Newton na sua versão original (também em Latim) ...

    Desinteressado de bens materiais, era sobretudo um homem de família. Punha o bem estar das filhas e mulher acima de tudo o resto.

    Vou ter muitas, muitas muitas saudades do meu muito, muito querido pai ...

    Rosa Brígida

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  7. Rosa Brígida, era ele, na Família como "o génio". Pelo menos segundo o Georges, o Rui e até o tio Francisco, meu pai. Mas também o meu tio Raul, Professor de Português e Francês, em Goa, sabia quase os Lusíadas de cor. Ernesto, o meu Avô, era igualmente brilhante. Lembro-me de lhe ter pedido que me explicasse algo de matemática que eu não compreendia e fê-lo com simplicidade e clareza tais que passei a gostar de da disciplina. Se não mais, devido à minha inerente preguiça mental.Telefonei-lhe uma vez, em Luanda, sabendo-o lá, mas fui tão mal recebido, que não o voltei a contactar. Mas eu compreendo. Era o "enfant terrible" de toda a Família,vai daí, uma reacção natural.Não sendo ateu por preguiça, sendo então agnóstico, se estiver errado e existir um Deus, hei-de perguntar-lhe se um tal Manuel Fernandes chegou a ter uma conversa com ele e qual a conclusão a que chegaram. Sei que não será curta, pelo que presumo que ainda estejam em amável cavaqueira e quem sabe, a beber um "Feni".

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