Apesar de já terem passado alguns dias não queremos deixar de registar este falecimento e lembrar quem foi o prof. Quadros Fernandes (N: 12/12/1931 F: 27/05/2016)
Visionário, conhecido pelo seu humor e sagacidade, contador de histórias, workaolic, generoso, honesto e a lista de adjetivos que o tornam grande não acaba.
Estudou medicina em Goa de onde saiu aos 19 anos. Em Lisboa formou-se em matemática e trabalhou na general Motors. Em 1963 foi professor de matemática em Sá da Bandeira (Lubango), onde casou e nasceram duas das três filhas (Rosa Brigida e Shilá). Foi em 1968, em Luanda que iniciou a sua carreira informática como analista de sistemas no Banco Comercial de Angola. Entretanto, nasce a terceira filha (Maria Carma). Regressa a Portugal em 1975 e fixa residência em Tomar onde morava o seu compadre prof Queirós da Silva. Lecionou na Escola Jácome Ratton, matemática, e informática. Em 1979 inicia o Club de Calculadoras (berço de alguns informáticos que saíram de Tomar) e inicia o programa de informatização das escolas "AE" implementado em mais de 600 escolas portuguesas. Deixa um último programa que a família vai partilhar.
São muitos os alunos que o referem como marcante, não só na vida pessoal como profissional.
A toda a família apresentamos sentidas condolências.
O prof. António Duarte Henriques Lopes, seu colega de profissão na mesma escola, publicou no facebook um texto de homenagem (In Memoriam, professor Quadros Fernandes), que transcrevemos:
“Faleceu o professor Quadros Fernandes, figura eminente do professorado tomarense e marca insigne da escola onde por muitos anos leccionou, a Escola Secundária Jácome Ratton. Por sentir que lhe é devida uma homenagem, ouso repor aqui um texto que sobre ele publiquei num dos órgãos da imprensa local, quando ainda, ambos, estávamos no activo.
Ei-lo:
«Incansável peregrino das suas muito pessoais miniaturas do mundo, o dr. Quadros Fernandes recose cada um dos seus intermitentes poisos com a inextricável rede das suas imprevisíveis, curtas, intempestivas deambulações. Contudo, quem acaba com a cabeça à roda somos nós.
Nós é que o seguimos no sobressalto das suas variações sobre o mapa inconcluso de uma demanda, de que a causa é segredo seu, mas de que o efeito é proveito nosso. Nós é que nos extenuamos na perscruta de um cais onde venha terminar-se a circum-navegação do paradoxo em que anda sempre embarcado. E nós é que ficamos imobilizados no pasmo por um discurso que, nos próprios soluços do seu entardecimento, encontra a força para reamanhecer.
Onde quer que entre, o dr. Quadros Fernandes parece trazer sempre demais o seu próprio corpo, como se este fosse um mero atrelado da sua necessidade de aparecer ou, então, um cabide para pendurar os seus cigarros.
Mas este corpo quase supérfluo, esticando-se no esforço de trepar e atropelar a sua própria compostura, transmuta-se, quando as condições o requerem, numa prodigiosa turbina de irradiação emotiva, de eloquência gestual e de turbulência expressiva.
Nesses momentos, a cuja eclosão basta só a nossa concessão de uma escuta, a paisagem em torno do dr. Quadro Fernandes torna-se vertigem - queda sucessiva para dentro de si mesma, que só a cadência da sua voz, assoberbada pelo seu atraso em relação ao seu próprio empenhamento, parece capaz de aguentar.
Quanto a mim, nem por nada me deixo enxotar desse espectáculo: o que aí se aprende, eu ainda não sei - sei só que se aprende.
Vinda não sei de onde, a enxurrada de ideias que ele desfere, que ele empola, que ele lapida, cai sobre o nosso aturdimento como, sob os espasmos de luz de uma discoteca, parecem cair os corpos no frenesi da sua dança. E como numa dança, a sua palavra salta, rodopia, esconde-se, cansa-se, explode.
Escutando-o, escutamos primeiro essa espécie de desfaçatez que sempre, com ele, serve para inculcar, na disposição das rotinas, a sensata suspeita sobre a inocuidade ou o conceito apoucado.
Depois, mais atentos, começamos a perceber uma estratégia de argumentação que, movida por uma deliberada preferência pelo aforisma, procura esculpir um corpo de princípios, cuja estranheza eu ainda não consegui bem identificar.
Parece-me essa estranheza, umas vezes, advir da paralaxe em que se coloca um apetite pensante avesso às facilidades do óbvio e, outras vezes, parece-me o efeito de uma postura ficticiamente predadora que, fascinada pela sua própria exuberância, encontra no território da entorse lúdica a sua única saída.
O humor que, no dr. Quadros Fernandes, é uma marca sempre em transe de revelação, cresce primeiro nessa espécie de desmesura com que ele, pisando sobre a infimidade avulsa das circunstâncias, logo ressalta para torneios de quase quixotesca especulação. Como se qualquer motivo mínimo contivesse sempre a concitação máxima da urgência de um serviço - o serviço de sentinela ao poder da fala, sempre à espreita da sua oportunidade.
Mas o humor, no dr. Quadros Fernandes, encontra a sua mais apurada variante no modo como, a partir de uma aguda percepção das conexões que constituem como grupo uma massa de interlocutores, consegue, recorrendo à desfiguração caricatural, recolocá-las num plano onde a sua liberdade de jogo e os jogos da sua liberdade ganham a sua maior ênfase. O desfrute é o seu tributo magnânimo à amizade.
Só que, em todos os casos, ele não pode dissimular a sua instante obsessão: a seriedade de uma perscruta sobre o essencial do que, mantendo-se ainda como humano, vai perdendo a sua altura na rotina congelada da experiência.
Por isso, a sua perspectiva é a do voo da águia: a visão da minúcia do alto da compreensão sempre mais larga da paisagem. E é essa visão aberta ao imprevisto, captado no pico do seu voo, que permite à sua seriedade a transbordância do humor. Felizmente, ele prefere voar em formação.»
(Um último recado, dr. Quadros Fernandes!)
Sempre lhe ouvi declarar: «Entre mim e Deus há uma relação de mútuo respeito e recíproca admiração!» Se agora vier a descobrir que lhe pedem explicações sobre tão elevada pretensão - conte com o meu testemunho abonatório.”
era uma Pessoa afavel e simpatica, Pena que nao hajam mais assim.
ResponderEliminarQue tenha partido em paz
Obrigada!
EliminarMorreu um dos bons! Tive o prazer de conviver com o Dr. Quadro Fernandes, num clube de Xadrêz criado na Filarmónica Gualdim Pais. Era uma mente brilhante num ser humano com uma simplicidade impressionante. Sentidas condolências à família enlutada. Carlos Ventura Marques
ResponderEliminarFoi meu prof de Matemática na Jácome Ratton! Uma pessoa surpreendentemente persicaz,inteligente, bem disposto e de um humor refinado.
ResponderEliminarDeus, por certo há-de perguntar o que quiseste dizer com essa do respeito e admiração recíprocos. Mas por certo que já levavas uma explicação lógica. E sem ti, só me resta um primo direito. Resquiecat in Pace.
ResponderEliminarErnesto Fernandes.
Grande amigo. RIP
ResponderEliminarMário Paiva
Muito obrigada por este post :)
ResponderEliminarAlém de meu pai ele foi também a pessoa mais inteligente que alguma vez conheci! Com elevado sentido de humor, era sempre muito bem disposto, mas acutilante nas suas críticas.
Os seus passatempos preferidos eram a matemática, a física, a informática e a história universal. Declamava (de cor) as primeiras estrofes dos Lusiadas em latim e conhecia o "Philosophiæ Naturalis Principia Mathematica" de Newton na sua versão original (também em Latim) ...
Desinteressado de bens materiais, era sobretudo um homem de família. Punha o bem estar das filhas e mulher acima de tudo o resto.
Vou ter muitas, muitas muitas saudades do meu muito, muito querido pai ...
Rosa Brígida
Uma mente brilhante|
ResponderEliminarRosa Brígida, era ele, na Família como "o génio". Pelo menos segundo o Georges, o Rui e até o tio Francisco, meu pai. Mas também o meu tio Raul, Professor de Português e Francês, em Goa, sabia quase os Lusíadas de cor. Ernesto, o meu Avô, era igualmente brilhante. Lembro-me de lhe ter pedido que me explicasse algo de matemática que eu não compreendia e fê-lo com simplicidade e clareza tais que passei a gostar de da disciplina. Se não mais, devido à minha inerente preguiça mental.Telefonei-lhe uma vez, em Luanda, sabendo-o lá, mas fui tão mal recebido, que não o voltei a contactar. Mas eu compreendo. Era o "enfant terrible" de toda a Família,vai daí, uma reacção natural.Não sendo ateu por preguiça, sendo então agnóstico, se estiver errado e existir um Deus, hei-de perguntar-lhe se um tal Manuel Fernandes chegou a ter uma conversa com ele e qual a conclusão a que chegaram. Sei que não será curta, pelo que presumo que ainda estejam em amável cavaqueira e quem sabe, a beber um "Feni".
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