A chegada de Vasco da Gama à Índia, numa gravura da época, copiada do El Pais online
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Saltando à vista que o objectivo é reproduzir os milenares "caminhos de S. Tiago", no caso tendo como objectivo último o desenvolvimento do turismo cultural nas terras outrora ligadas aos templários, espanta o irrealismo da tarefa.
Em Portugal, é certo, são relativamente poucas a terras templárias, havendo só uma capital, fundada com esse objectivo -Tomar. Será portanto muito fácil implementar a tal rota europeia. O problema põe-se porém em Espanha e França, por exemplo, onde existem dezenas e dezenas de terras templárias. Terá de haver por conseguinte, não uma, mas várias rotas templárias, tendo por base os vestígios ainda existentes, mas forçosamente muito diferentes.
Para não ir mais longe, Tomar tem o Castelo e a Charola e Santa Maria dos Olivais, Ponferrada a fortaleza, mas Troyes foi apenas a localidade onde se celebrou, em 1129, o concílio homónimo, no qual a Igreja reconheceu a Ordem dos Templários, fundada pouco antes em Jerusalém.
Enquanto honrados tomarenses andam às voltas com a tal rota templária, o El País online de 03/11/18, às 20H42, publica, pela pena de Jacinto Antón, declarações do conceituado historiador britânico Roger Crowley. Apresentando a edição espanhola do seu novo livro, o texto é pouco meigo logo no título: "Quando os portugueses assombravam o Mundo com os seus barcos, os seus canhões e a sua ferocidade".
Ao longo do texto jornalístico abundam os exemplos das maldades portuguesas, com o argumento, segundo o citado historiador, de que sendo poucos, eram obrigados a ser cruéis para impôr respeito. Os conquistadores espanhóis foram sempre uns santos, está visto.
O meu ponto é porém outro. A dada altura o conhecido historiador inglês comete dois erros graves, muito prejudiciais para Tomar. Estabelecendo a diferença entre os descobrimentos portugueses e as conquistas espanholas, é categórico: em Portugal tudo dependia e era organizado sob a égide da coroa. Em Espanha, pelo contrário, houve muitas expedições privadas, lideradas por aventureiros.
Noutro passo, abordando o problema de saber se os portugueses conheciam ou não a existência do Brasil antes do acordo de Tordesilhas, em 1494, o mesmo escritor afirma que, de qualquer modo, não há documentos coevos para provar ou anular tal hipótese, pois perderam-se no terramoto de 1755.
Sucede que, no caso da primeira afirmação, a empresa dos descobrimentos só passou a ser comandada pelo rei a partir de D. Manuel I, uma vez que este, antes de ser rei por mero acaso, já era mestre da Ordem de Cristo. Mas quando isso aconteceu já a viagem do Gama estava preparada e o acordo de Tordesilhas há muito assinado. Não será decerto por mero acaso que, havendo no país o escudo nacional e as ordens militares de Avis e Santiago, as caravelas lusas levavam todas nas velas a cruz da Ordem de Cristo. Carece portanto de fundamento a afirmação de Roger Crowley, enganado como tantos outros pelas aparências. Pelo menos até D. Manuel I, as decisões em matéria de descobrimentos vinham de Tomar e não de Lisboa.
Dado que raramente uma asneira aparece isoladamente, a outra afirmação, a dos arquivos desaparecidos durante o terramoto de 1755, é pura fantasia. Na verdade, o arquivo da Ordem de Cristo estava em Tomar e no seu convento aquando do terramoto, ali se mantendo pelo menos até 1834. E em Tomar o terramoto não provocou estragos de monta.
Nos anos 80 do século passado, disse-me o ilustre bibliófilo tomarense António Cartaxo da Fonseca, que o arquivo da Ordem de Cristo continuava na Torre do Tombo, numa dezena de caixotes ainda por abrir.
Ignoro se tal situação se mantém. De qualquer forma, parece-me que era por aqui que os tais valores seguros locais deviam começar, em vez de se perderem com rotas que não podem levar muito longe.
Localizar o arquivo da Ordem de Cristo, abri-lo para consulta e trazê-lo para Tomar, de onde foi levado na sequência do decreto do Mata frades, eis uma tarefa para Tomarenses amantes da sua terra, que pode alterar a História tal como nos foi ensinada, contribuindo para o turismo cultural e o prestígio da nossa amada terra-mãe.
Fica a ideia.
António Rebelo
Proposta clarividente, e prometedora de resultados frutuosos no Futuro. As Rotas, são curiosas. E portadoras de titulos...
ResponderEliminarBom dia.
ResponderEliminarDeixem-me comentar este texto de opinião dividindo-o em duas partes e começando pelo fim. E aqui, concordando com a inépcia propositada ou não que ingleses e espanhóis sofrem quando falam de portugal e que o Dr. Rebelo critica razão, permita-me acrescentar dois factos:
1 - A Coroa começa a centralizar os Descobrimentos ainda em tempos de D. João II quando este não renova a concessão que tinha sido dada a Fernão Gomes da Mina em 1469.
2 - Na década de 80 andei eu a consultar os arquivos da Ordem de Cristo. Estes estavam à consulta divididos em livros e maços como ainda hoje estão. De lá para cá actualizaram-se cotas e retiraram-se folhas de livros que estavam arrumadas nos maços e assim se completaram livros. Os livros contam-se por centenas e os maços são 76. Trazer o arquivo para Tomar é uma ideia aliciante mas certamente impossível dado os custos de adaptação de todo um espaço mais funcionários e meios de reprodução. Isto para não falar de que se estaria a desmembrar um arquivo nacional dado que todas as outras localidades iriam querer a mesma coisa. para o turismo não vejo como poderá ajudar este ramo de actividade a não ser contar uma história verdadeira e não aquelas histórias que o Dr. Rebelo ouve e está cansado de ouvir.
No que concerne à primeira parte, a ideia de uma rota é isso mesmo. Trata-se de criar um elemento de ligação único - Templários - mas comum às várias localidades. O Caminho de Santiago tem vários caminhos e de certeza que saem pessoas de centenas de localidades para o percorrer. Existe a Via portuguesa e o caminho da costa além de recentemente se estudarem três rotas alentejanas que desembocavam na região centro. Estamos pois a falar de uma rede ou malha que se alberga numa ideia única, um itinerário templário. É verdade que Espanha e França possuem e aparentam ter mais localidades templárias mas na reunião falou-se de que a Itália tinha um problema grave de muitas terras dizerem ser templárias sem nunca o terem sido e França sofre do mesmo mal. E se França tem documentação templária para refutar a maior parte destas terras pseudo-templárias. A realidade é que se vive à custa dos templários com histórias e historietas que nada têm a ver com a realidade. E já agora tentar ligar as terras portuguesas com presença templária já é tarefa árdua pois não são assim tão poucas. Temos é que saber mais sobre elas e de passar esse conhecimento verídico real e não envolvido em historietas como aquelas que passaram recentemente em canais de cabo.
Muito obrigado
Escreve Simon, num comentário muito útil, que a ideia de trazer o arquivo da Ordem para Tomar é aliciante, mas iria desmembrar um arquivo nacional e "todas as outras localidades iriam querer a mesma coisa."
ResponderEliminarRespondo sucintamente. Desmembrar um arquivo nacional? Mas o arquivo da Ordem de Cristo sempre foi nacional, mesmo quando ainda estava em Tomar. E porque há-de o arquivo nacional ter a sua sede em Lisboa? Aqui mesmo ao lado, o arquivo nacional de Espanha é em Simancas, a centenas de quilómetros de Madrid.
Acresce que a vinda do arquivo para Tomar será apenas um regresso à origem, quando acontecer, claro!
Sobre as outras terras quererem o mesmo, julgo que há um equívoco. Quando proponho o retorno do arquivo da Ordem de Cristo a Tomar, não estou a referir uma terra, mas uma empresa. Exactamente a maior empresa portuguesa de todos os tempos, que sempre actuou a partir de Tomar, enquanto não foi castrada pelo tomarense António Moniz da Silva, mais conhecido pelo seu nome religioso de Frei António de Lisboa, herança da sua entrada e formação nos Jerónimos espanhóis, agindo às ordens de D. João III, cunhado do imperador Carlos V, Carlos I de Espanha.
Faltou indicar a data fatídica para a nobre Ordem Militar de Cristo. Foi em 1529, 8 anos após a morte de D. Manuel I, quando a reforma ordenada por D. João III, fortemente influenciado pela sua esposa, Dª Catarina, de quem Frei António de Lisboa era confessor, acabou com cavaleiros e comendadores, para dar lugar a um agrupamento de frades de cógula, iniciado com "20 noviços ignorantes".
EliminarA partir de então o rei passou realmente a liderar as coisas ligadas às navegações, antes dirigidas pela Ordem. Começou então o longo declínio...
Bom dia.
EliminarSe é verdade que o Arquivo nacional espanhol está em Simancas também não é menos verdade que o Arquivo nacional português está em Lisboa onde foi construído um edifício de raiz que abriu em 1989-1990 e que cosutor a preços actuais muitos milhões de euros. A sua deslocação para Tomar implicaria a construção de novo imóvel a que se juntariam equipamentos num custo de vários milhões. atrvo-me a dizer que 15 milhões de euros não chegariam. isto para não falar nos funcionários altamente qualificados que têm a sua vida estabilizada e não quereriam mudar de repente. vimos o que aconteceu com a alegada mudança do infarmed para o Porto. Em suma, seria dinheiros públicos desperdiçados e com custos duvidosos.
No que toca à Ordem de Cristo é verdade que existe uma alteração profunda em 1529 e que acontece tanto em portugal como em Espanha. trata-se de uma forma simples, de trazer as ordens militares à estrita esfera de influência real. Trata-se de centralizar o poder e de evitar situações como a que aconteceu em 1484 quando o mestre da Ordem D. Diogo foi executado enquanto nobre e talvez enquanto mestre.
Muito obrigado
Bom dia.
EliminarO Dr. Rebelo tem razão quando diz que a Ordem foi reformada após a morte de D. Manuel está cheio de razão. Falta só referir que havia medo de uma outra pessoa, D. Diogo Pinheiro que fez parte do conselho do Rei, além de ser vigário de Tomar em zona de "nullius diocesis" e bispo do Funchal. O Dom prior do Convento, Frei Diogo do Rego foi, coitado despachado com uma pensão (benefício) para uma terra comendatária da ordem de Cristo.
muito obrigado
Meu caro Simon:
ResponderEliminarNão sou megalómano. Nunca pensei em reivindicar a Torre do Tombo para Tomar. O que desejo é bem mais modesto: apenas o retorno do arquivo da Ordem de Cristo à sua casa.
Custaria muito dinheiro a sua instalação? É verdade, mas Bruxelas ajudaria. Como sempre, quando perante um bom projecto. E seria uma excelente ocasião para recuperar finalmente as ruínas do Convento velho, mais conhecido como Paços do Infante D. Henrique.
Uma última questão. Um arquivo importante, como o da Ordem de Cristo, atrairia muitos investigadores universitários, sobretudo na chamada estação baixa do turismo. Tomar teria assim turismo de qualidade e de alguma permanência durante todo o ano, em vez do actual turismo de massas, mas com pouca massa, que na sua esmagadora maioria vai ao Convento e ruma a outras paragens, raramente pernoitando em Tomar.