sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Dos armazéns Barateiro à BMS: o fim de “uma instituição”

120 anos depois chega ao fim um espaço comercial emblemático de Tomar e da Corredoura.
Fundados em 1896, os armazéns Barateiro (atual BMS) fecharam as portas e vão dar lugar a outros negócios.
Já na sexta feira, 25 de novembro, abre no n° 81 a loja de design de interiores Hauss. Muito em breve abre outro espaço comercial, a Wells, ao lado, no n° 85.
Perguntámos a Paulo Bizarro, da loja BMS, qual o destino que se iria dar ao automóvel Trabant usado pela banda irlandesa U2 na sua passagem por Portugal na Tour ZooTV e que estava em exposição na loja. E em relação à antiga caixa registadora ainda do tempo dos reis e outros objetos históricos da loja? “São peças particulares que ficarão na nossa família”, revelou.
A história dos armazéns Barateiro está associada à história de Tomar do século XX. O negócio ia para além da venda de tecidos e roupa. O Barateiro chegou a editar coleções de postais que são hoje objetos raros e muito apreciados por colecionadores.






Anúncio publicado em 1956



Sobre a importância histórica e arquitetónica deste espaço repescamos um texto de João Granada publicado no jornal O Templário.

“(…)
Atravesse-se de novo a rua e admire-se a bonita fachada do belo edifício do Barateiro.
É um edifício característico da Belle Époque.
Tempo em que, ainda sem adivinhar a grande depressão (1928), as pessoas se divertiam alegremente, dançando despreocupadamente o charleston, apreciando os primeiros acordes do jazz, gastando dinheiro a jorros.
Era o tempo dos palhinhas e dos casacos às riscas dos homens, dos vestidos de seda roçagantes e decotados, das saias com franjinhas e atrevidamente pelos joelhos das senhoras.
Era o tempo dos blues e do sapateado. 
Nas cantarias e nas ferragens, no emolduramento das portas e janelas, no envidraçado, no equilíbrio geral da construção e na concepção arquitectónica, é exemplar único na Corredoura e em Tomar.
Testemunho mudo de uma época, condenado a subsistir e sobreviver em épocas posteriores, tão diferentes, para as quais não foi concebido nem realizado, é caso notável de vitalidade e de capacidade de adaptação aos novos tempos que passam.
Os Armazéns Barateiro, foram sempre uma das mais imponentes lojas da cidade, orgulho da Corredoura do século XX, destinatários do mais íntimo apreço dos tomarenses.
Ao longo das alas espaçosas das duas lojas gémeas, alinham-se as prateleiras, do chão ao teto, exibindo toda a existência de panos, atoalhados, roupa de quarto e de cama, mais modernamente, confecções de homem e de senhora.
Dê-se cabimento a um reparo.
É que, em face deste Barateiro de ontem, de hoje e de sempre, naquela vastidão imensa em que tudo aparece exposto e visível, desde a peça menor à maior, não se compreende como é possível ao comércio actual conseguir-se ajustar às diminutas dimensões de muitos dos  estabelecimentos de agora, com toda a existência que a clientela, hoje como ontem, não dispensa, para satisfazer os pedidos mais diversos em cores, padrões, cortes e tamanhos.
De duas, uma: ou a clientela reduziu o gosto pela diversidade aceitando versões de moda uniformes em que a roupa se repete em cores, talhe e padrões, divergindo apenas no tamanho ( quando diverge), ou o comerciante contemporâneo adquiriu a habilidade, que não tinham os seus avoengos, de conformar as escolhas aos limites da existência.
Eu lembro-me dos tempos recuados em que, para escolher um fato de homem (ou de senhora), o comerciante desdobrava sucessivas peças que ao fim de algum tempo já ocupavam todo o amplo balcão, quando o não excediam, empilhadas já em desordenada altura, as quais, depois de minuciosamente sujeitas aos testes de apalpação, observação atenta de um e outro lado, do amarrotamento manual demorado, do exame visual à porta à luz do sol e dentro, à luz coada ou até artificial, ainda deixavam o, ou a cliente, tartamudeantes, indecisos na escolha final, duvidosos na aquisição.
Em qualquer dos casos, ido o cliente, ficava o pobre comerciante, exausto física e psicologicamente, quer pelo peso das peças deslocadas, quer pela argumentação verbal dispendida, a arrumar, de novo, nos seus lugares, todas as pesadas peças que, empilhadas, tinham ficado a bloquear o balcão.
Hoje, que já não se adquire fazenda a metro para confecção, de vestuário, nem há mais alfaiates nem modistas a confeccionar por medida com as entediantes sessões de prova pelo meio, o Barateiro continua a ser o Barateiro na multiplicidade de balcões, de prateleiras e de gavetas e gavetões dos bons tempos da nossa infância.
O Barateiro não apresenta apenas existência física conformada à pedra, ao ferro, à madeira e ao vidro do edifício onde se instalou e mantém.
O Barateiro tem, além disso, um espírito anímico, uma alma que se sente, que se adivinha, que se compreende, que nos toca, que nos sensibiliza, que nos faz sentir uma imensa e indiscritível mágoa se algum dia vier a desaparecer.
A Corredoura sem o Barateiro ficaria de uma pobreza confrangedora, descaracterizada, irreconhecível.
O Barateiro da Corredoura, é único e insubstituível. 
É uma instituição!
Alguém consegue imaginar uma óptica, um Mc Donalds, uma cafetaria, ou outra qualquer coisa desse género no Barateiro da nossa Corredoura?
Claro que não!”
                         João Granada
               Passeando na Corredoura
Texto publicado no jornal O Templário

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