terça-feira, 2 de abril de 2013

A Câmara de Abrantes, os bombeiros e a lei

 Do jornal Público desta segunda feira, dia 1


Câmara de Abrantes contorna lei para fazer pagamentos aos bombeiros

Depois de inspecção ter concluído que remuneração aos Bombeiros de Abrantes era “ilegalidade grave”, autarquia firmou protocolo com bombeiros de Constância, que remuneram os colegas de Abrantes

Protecção Civil
Mariana Oliveira

A Câmara de Abrantes, do PS, continua a pagar dois euros por hora aos bombeiros do município que  prestam serviço em regime de voluntariado no corpo local misto (que funciona com voluntários e profissionais), após uma auditoria da Inspecção-Geral da Administração Local ter concluído, no fi nal de 2011, que tal constituía uma “ilegalidade grave”.
Para contornar a situação, a autarquia decidiu recorrer aos Bombeiros Voluntários de Constância — uma situação confirmada ao PÚBLICO pelo comandante do corpo e vice-presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, Adelino Gomes —, conseguindo que fossem estes a pagar aos bombeiros de Abrantes o serviço que, na prática, estes continuam a prestar.
Neste momento, são, assim, os voluntários de Constância que pagam os dois euros/hora aos bombeiros (profissionais e voluntários) de Abrantes, que prestam estes serviços em regime de voluntariado. Este protocolo entre a autarquia e os bombeiros de Constância foi assinado em Maio de 2012, quatro meses depois de o então secretário de Estado da Administração Local e Reforma Administrativa ter concordado com a remissão do caso para o Ministério Público.
O documento, a que o PÚBLICO teve acesso, formaliza uma prestação de serviços que deveria ser realizada pelos voluntários de Constância.
“O actual número de bombeiros [de Abrantes] compromete a missão principal dos bombeiros, no que respeita à protecção de pessoas e bens”, argumentava no protocolo a presidente da Câmara de Abrantes, Maria do Céu Albuquerque. No documento, a autarquia assumia um problema de “relacionamento” com os bombeiros, que se traduziu numa “redução da disponibilidade de pessoal para prestação de actividades
como bombeiros voluntários”.
A câmara também reconhece no protocolo não ter meios para “arcar com mais encargos próprios de um corpo totalmente profissional” e, por isso, formaliza uma “cooperação” com os Bombeiros Voluntários de Constância, a quem paga entre 11 mil e 5 mil euros mensais. Em causa estão serviços de transporte de água, apoio em provas desportivas e combate a incêndios fl orestais, entre outros.
A realidade, porém, não tem correspondência com o que foi protocolado com Constância, já que têm sido os bombeiros de Abrantes a prestar os serviços que estão a ser pagos pela câmara através dos voluntários de Constância. Adelino Gomes confirma que isso está a acontecer, mas acredita que tal é legal e garante que isso mesmo foi garantido por “juristas conhecidos”.
O vice-presidente da Liga (que reúne 472 associações e corpos de bombeiros do país) explica que no início os bombeiros de Constância ainda fizeram muitos serviços para o município de Abrantes, incluindo perto de 300 emergências pré-hospitalares.
“Mas o trabalho também podia ser feito pelos bombeiros de Abrantes, que dispunham das capacidades necessárias e de uma maisvalia: podiam conduzir os veículos da autarquia”, afirmou. Sobre o que levou os Voluntários de Constância a assinar um protocolo com a Câmara de Abrantes, diz: “A mim, preocupavam-me as pessoas que passavam horas à espera de uma ambulância”.
A câmara ignorou as questões colocadas pelo PÚBLICO, confirmando apenas que celebrou um protocolo com os voluntários de Constância que permite àquele corpo apoiar actividades de socorro no município de Abrantes. “Sempre em cooperação e conjugação com o comando do corpo de bombeiros misto na dependência do município”, afi rma a autarquia num email. Continua explicando que, face à incapacidade para suportar um corpo só profissional e à redução da disponibilidade dos voluntários, foi prática da câmara “durante largos anos” gratificar o trabalho voluntário, na convicção que tal era legal.
Havia, inclusive, diz, “uma decisão do Tribunal de Abrantes confirmando a licitude desta prática”.
A autarquia reconhece que a inspecção “concluiu que o processo não é legal, pelo que a câmara suspendeu esse pagamento”. “O processo encontra-se nas instâncias judiciais competentes, não havendo qualquer decisão sobre a matéria”, completa.
Os inspectores da IGAL tinham recomendado a comunicação dos factos ao Ministério Público. O secretário de Estado concordou com a diligência a 1 de Janeiro de 2012.

A substituição
A Câmara de Abrantes quer substituir o corpo misto de bombeiros municipais, um dos 21 existentes no país, por um corpo de bombeiros voluntários, que ficará dependente de uma associação privada sem fins
lucrativos. A intenção já foi noticiada, nomeadamente num artigo publicado em Janeiro no Jornal da Madeira, onde se escreve que a “Câmara de Abrantes anunciou a ‘extinção num futuro próximo’ dos bombeiros municipais”. Ao PÚBLICO, a autarquia nega que haja uma “decisão” de extinguir o corpo de bombeiros. Admite, contudo, ter “enormes gastos, quer em termos de pessoal quer de infra-estruturas e equipamentos, que grande número dos municípios não possui” e que o “recurso ao voluntariado” é uma medida de gestão que decorre da ausência de capacidade financeira para aumentar os recursos humanos profissionais do corpo, que conta 33 assalariados e cerca uma centena de voluntários.
PÚBLICO, SEG 1 ABR 2013

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